terça-feira, 18 de novembro de 2014

340 m2 de Filosofia e berbicachos

Tomada a decisão de construir uma casa, demos início à exigente tarefa de escolher um arquitecto que a desenhasse. Uns meses mais tarde percebemos que deveríamos ter começado o processo por outro lado, mas essa história fica para depois. Ludwig Wittgenstein, filósofo habituado aos mais complicados conceitos físicos e metafísicos, ocupou uns anos da sua vida a construir uma casa em Viena. No final afirmou sem reticências: “consideram que a Filosofia é difícil mas digo-vos que ela não é nada quando comparada com a dificuldade de ser um bom arquitecto”. Não querendo ir tão longe (experimentem ler um texto de Wittgenstein para ver o que é bom para a tosse), concordo que a tarefa é espinhosa. Lembremo-nos que a função de um (bom) arquitecto não é apenas tratar da arquitectura mas coordenar todos os projectos necessários, a maioria dos quais da responsabilidade de outros expertos (engenheiros, normalmente; todos expertos mas nem todos espertos). Não adianta desenhar uma casa muito bonita para depois descobrir que, com aquela disposição das assoalhadas, os canos do cocó, do xixi e do vomitado do filho adolescente teriam de atravessar a mesa de jantar. Ou que a chaminé da lareira teria de ficar encostada aos pés da cama do mais novo. Assim de memória, consigo lembrar-me de uma boa dúzia de projectos (ditos de especialidade) que passeiam comigo diariamente entre a casa onde vivemos, o escritório onde trabalho e a casa que estamos a construir: o projecto de estabilidade, o projecto de águas pluviais, o eléctrico, o térmico, o de saneamento, o projecto de ventilação, o projecto da rede de gás, e não continuo para não vos maçar. Até o “barraco” onde vão estar os recipientes para separação do lixo precisa de um projecto autónomo. E no âmbito da arquitectura propriamente dita, para além daqueles desenhos que todos conhecem (plantas, alçados, cortes), há dezenas de folhas com pormenores de portas, grades, chaminés, tectos, rodapés, espelhos, armários, portões, casas de banho, etc., etc., infinitos etc. Só faltou que me medissem o rabo para definir o formato das sanitas. Coordenar e conjugar tudo isto é do caraças, e “caraças” não é exactamente a palavra que me apetecia utilizar.
O nosso método de “recrutamento e selecção” de um arquitecto foi, inicialmente, de uma racionalidade quase científica. Era necessário encontrar um profissional que confiasse nas suas capacidades mas que estivesse disponível para ouvir as nossas ideias; imaginativo mas que não comprometesse o indispensável pragmatismo; que tivesse dotes de artista mas sem os caprichos dos artistas; que fosse requintado na escolha dos materiais mas que tivesse a capacidade de encaixar um “não” caso os requintes se mostrassem demasiado dispendiosos. Em resumo, que fosse muito bom mas não tão bom que nos levasse à falência. Eram estes os critérios teóricos que tínhamos à partida; na prática, a escolha do arquitecto foi feita de acordo com o mesmo método que utilizamos em muitas outras decisões das nossas vidas não relacionadas com a construção civil, da compra de um cavaquinho novo à contratação de uma mulher-a-dias: falar com amigos e conhecidos para sacar referências, e siga.       
O terreno que já tinha feito parte de um campo de cultivo comprado por uns contos de réis ganhos na Venezuela pelo avô apresentava algumas condicionantes a ter em conta. Oferecia-nos desafios interessantes, como gostam de dizer aquelas pessoas dinâmicas, optimistas e com atitude vencedora, entre as quais, infelizmente, não me incluo. Para mim aquilo eram mesmo berbicachos. Em primeiro lugar era relativamente pequeno, cerca de 340 m2 de área total. Tinha também uma área de implantação autorizada que era, à falta de uma palavra mais simpática, ridícula. Por último, sendo destinado a uma casa com 3 pisos, em utilizando a distribuição usual (garagem na cave, zona social no rés-do-chão, quartos no 1º andar), obrigava a uma rampa de acesso automóvel muito acentuada. Refiro-me a um daqueles declives em que quando vamos a sair só vemos a frente do carro e o céu. Sim, uma daquelas subidas que as senhoras fazem em alta velocidade para não correrem o risco do automóvel parar a meio e terem de aplicar o temido ponto de embraiagem, ponto que demoram quase tanto tempo a descobrir como o que os homens precisam para encontrar o ponto G (brincadeira, brincadeira… a Andorinha é uma excelente condutora). Mas adiante. O primeiro berbicacho não tinha solução, o terreno não esticava; o segundo foi resolvido a troco do pagamento de umas centenas de euros em taxas, promovendo uma alteração do loteamento junto da respeitosa Câmara Municipal; a maneira como se resolveu o problema dos declives fica para um outro capítulo. Até à próxima, se Eu quiser.

Andorinho               
 
 
 

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