terça-feira, 12 de novembro de 2013

DIZIAM QUE ELE ERA TOLO...O FIM


(texto acompanhado com esta música)

Que tinha tido um problema quando era criança. Uma doença na cabeça - dizia melindrada a minha mãe.
E eu, que não percebia nada de doenças e só queria brincar, assustava-me no inicio mas depois passava e esquecia os recados.
Tinha a idade do meu pai, mas eu sempre achei que ele devia ser da nossa idade.
Mas o Delfim (Fim para os amigos e toda a gente da terra) não era assim tão tolo. Por vezes, e motivado pela raiva e doença que o incomodavam, cometia algumas loucuras, ou empurrava com uma força extrema as pessoas.
Mas não eram todas. Eram aquelas que se metiam com ele, ou que o incomodavam com palavras menos boas, ou quando lhe chamavam nomes.
E foi por causa deste “chamar nomes” que eu me lixei. Foi assim que aconteceu:

Havia uma música que decidiram fazer ao Fim. Não a vou escrever aqui pois considero pouco correcta (agora, que já sou mulher crescida e que tenho mais sensibilidade).
Mas na altura era criança, e como todas as crianças, gostava da brincadeira. E havia uma música que cantávamos ao Fim. Basicamente, queríamos que ele ficasse fulo para vir correr atrás de nós.
Só que houve uma vez que a brincadeira correu mal.
Ao mesmo tempo que cantávamos a música, corríamos a passos largos a fugir dele (vejam lá a nossa bravura). E o Fim tão depressa pega numa pedra do chão, como que me acerta com ela na cabeça.
Eu estava ainda perto dele, ía a correr, e ele, furioso, consegue acertar-me na cebecinha. Doeu. Doeu muito. Fui a correr para casa a chorar. Quando a minha mãe me perguntou o que aconteceu, contei-lhe tudo. Que criança é ser honesto e verdadeiro. Claro está que a minha mãe me repreendeu pelo que fiz. Era sempre assim. E ainda bem que era.
Aprendi a lição. Passei a olhar para o Fim com respeito. E ele, quase como um pai que afinal parecia um colega, protegia-me sempre, passava por mim e sorria, dizia sempre bom dia.

O Fim ainda é vivo. Continua a ser “o tolo”. Mas é tratado com respeito lá na aldeia, o que me deixa feliz.
A meningite não o matou, apenas o fez ser criança a vida toda. E continua a ser, eu sei que continua. Porque sempre que lá vou e o vejo, em cima do trator ao lado do pai que o conduz, continua a esboçar aquele sorriso sincero, humilde, envergonhado, marcado pelas rugas que entretanto apareceram mas que ele nunca irá entender como velhice. É e será eternamente uma criança. O Fim, carapim, calças de cetim, chapéu à lavrador…e o resto não canto!

2 comentários:

Raquel Caldevilla disse...

Adorei... tanto! Um beijinho*

andorinha disse...

Muito obrigada, Raquel :)
Beijinho.